EXPLICAÇÃO DUM PARADOXO
Ewa Anna Lukaszyk (1972), uma lusitanista que nem é tanto uma lusitanista... Um paradoxo que requer uma explicação e que afinal se reduz a algumas razões de compreensão bastante fácil. Os Estudos Portugueses pertenecem a um período formativo no meu caminho inteletual, em que progressivamente cederam lugar às preocupações de ordem mais geral, nomeadamente à vocação transdisciplinar e transcultural. Assim, quase uma centena de estudos de literaturas lusófonas (publicadas e por publicar) que acabei por produzir ao longo dos anos inscreve-se num projeto de literatura comparada e é nesse contexto que adquire ulteriormente um significado e uma importância. Investigações no domínio de culturas lusófonas, como a sobre a formação das intelligentsias africanas, devem ser lidas como parte dum projeto de estudos de globalização, em que se inscreve o paradigma transcolonial que tenho andado a construir. Formam um puzzle junto com elementos marroquinos ou malaios que também tenho andado a recolher, formando uma imagem mais complexa que transcende o mundo lusófono. Finalmente, certos elementos portugueses, como as ideias do P.e António Vieira, entram o meu projeto transcultural, mas sem ocupar nele um lugar de preeminência. Assim, as competências lusitanísticas, que me permitiram lançar os alicerces duma carreira universitária, transformaram-se uma parte ínfima duma proposta inteletual que entretanto se tinha alargado e diversificado.
Formei-me na Universidade de Lisboa graças ao apoio do programa europeu TEMPUS, do Instituto Camões e, finalmente, da Fundação Calouste Gulbenkian. Defendi uma tese de doutoramento dedicada à literatura portuguesa contemporânea e fiz a chamada “habilitação” (uma prova de aptidão científica prevista em sistemas académicos de inspiração alemã), apresentando um livro que pretendia ser uma visão panorâmica da evolução do imaginário português desde o fim da idade média até ao período contemporâneo. A juntar a isso, há outros livros, há artigos, há traduções, como se pode ver na tábua bio-bibliográfica incluída nesta página. A destacar: uma extensa monografia sobre José Saramago, e mais investigação sobre o mesmo autor, realizada no âmbito dum programa de investigação financiado pelo Ministério da Ciência polaco. Neste contexto, pode resultar surpreendente que eu não me ocupe de ensinar Estudos Portugueses no meu quotidiano académico. Efetivamente, já não o faço desde 2006, ano em que desisti da docência na Universidade Jagelónica em Cracóvia, onde tinha sido uma das personagens chave na criação do curriculum de licenciatura e mestrado em Estudos Portugueses. Por detrás disso, houve razões de ordem inteletual e também um traçado conflituoso que nem vale a pena silenciar. Houve pessoas que trabalharam com bastante assiduidade para me ver fora do campo português e que imediatamente se aproveitaram da minha desistência, tendo em vista a criação, efeituada dois anos mais tarde, da “Cátedra Virgílio Ferreira” sob os auspícios do Instituto Camões. É uma coincidência que explica muito: alguém almejava ser esse catedrático ferreiriano e não olhou a meios para atingir os fins. Por outro lado, o ambiente dos demais especialistas polacos em Estudos Portugueses, que se reduzia, naquela época, a uma meia dúzia de pessoas de grande entusiasmo, mas nem sempre alcançando excelência em termos de qualidade académica, geralmente era-me hostil. Tudo o que tinha feito despertava invejas e receios; são coisas que acontecem e que continuarão acontecendo. Decerto, conseguiram-se naquela época algumas zonas de conforto pagas com o dinheiro do contribuinte português, como a do Centro Camões criado em Lublin, numa universidade de prestígio limitado, tanto ao nível internacional, como o nacional. Era compreensível que a concorrência quisesse colocar-me fora da partilha desse bolo português. Por outro lado, eu também tinha interesses que nem cabiam nos trâmites estreitos duma cultura marginal ou marginalizável. Na faculdade interdisciplinar “Artes Liberales” da Universidade de Varsóvia, onde me tinha refugiado em 2006, encontrei um ambiente mais propício para avançar na direção duma inovação teorética radical em que continuo a verter a maior parte dos meus recursos e energias. No que diz respeito à área de Estudos Portugueses, tornei-me quase uma free lancer. Por alguns anos, praticamente deixei de escrever textos ligados aos Estudos Portugueses (isso não se nota na bibliografia, porque sempre houve textos atrasados a sair; de facto, ainda continuo publicando artigos e até livros que ficaram por publicar). Recentemente tenho voltado a isso, porque vi que a situação começava a mudar com o advento duma nova geração, já com menos agressividade (ou com menos bolos a compartilhar) e mais idoneidade académica a exibir, e também porque vislumbrei mais oportunidades de publicar no estrangeiro, em condições de transparência e rigor que me tinham faltado na Polónia. O que é que isso vai dar, nem sei. É cultivar uma matéria que certamente não voltarei a ensinar na Polónia. Quem sabe, algum dia poderia voltar a ensinar no estrangeiro, mas é um futuro bastante incerto e, francamente, nem dá para uma ambição das mais almejadas. Um departamento de português em qualquer universidade fora de Portugal é uma coisa miúda, a margem de todas as margens. Já não quero voltar a isso. Outros projetos, sem ligação a Portugal, parecem-me muito mais aliciantes. São ideias que prometem mais relevância, mais visibilidade no contexto inteletual. Concluíndo, isso é já o fechar dum capítulo, e dum capítulo que traz memórias nem sempre agradáveis. Provavelmente, este verão de 2017, enquanto estava a finalizar o volume da história literária, é o último em que me dedico aos Estudos Portugueses com alguma assiduidade. É o momento de fechar um círculo, revisitar um lugar de origem, a casa velha, abandonada. Como em Para Sempre, de Vergílio Ferreira... |
CONTRIBUIÇÕES PARA A PROJEÇÃO DA CULTURA PORTUGUESA NA POLÓNIA E PARA A ÁREA DE ESTUDOS LUSÓFONOS:
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